segunda-feira, 26 de março de 2012

MITOS DAS OBRAS RESIDENCIAIS


FOLHA DE SÃO PAULO - 25/03/2012
Quebra-cabeça
Quer dar uma cara nova para a sua casa? Saiba por onde começar a reforma e conheça os mitos que rondam toda obra residencial 
JULIANA SAYURI E NATÁLIA ZONTA
O sonho da casa própria é antigo. O sonho da casa própria repaginada com estilo, funcionalidade e personalidade também, mas conquistou novo fôlego com a medida oficializada pelo governo federal no início deste ano, que regulamenta a utilização de recursos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para obras e ampliações residenciais.

A linha de crédito, em fase de implantação nos bancos, financiará até R$ 20 mil, para imóveis avaliados em até R$ 500 mil, com juros de 12% ao ano e prazo de dez anos para quitar. Além dessa nova opção de financiamento, dois outros fatores são apontados por especialistas como um estímulo às reformas: as unidades construídas agora estão demasiadamente padronizadas (sem acompanhar o estilo multifacetado de viver do paulistano) e o preço dos imóveis, estratosférico.

"Qual é o sentido de uma planta arquitetônica com cômodos hierarquizados para moradores que não seguem relações hierarquizadas?", indaga o arquiteto Fábio Queiroz, 34, do Nomads-USP (Núcleo de Estudos de Habitares Interativos da Universidade de São Paulo). E as interrogações não param por aí: por que ter uma sala tímida em um apartamento de luxo, se não temos espaço para receber os amigos? Por que ter uma suíte se o quarto e o banheiro minúsculos são incapazes de proporcionar momentos acolhedores?

Para o urbanista, as unidades novas oferecem cômodos com áreas insuficientes para se viver bem. Para ele, é mais vantajoso reformar um imóvel mais antigo, que conte com janelas e portas maiores e pés-direitos mais amplos. "Além de garantir a valorização do imóvel, uma reforma feita a partir de um projeto consistente pode resultar em espaços mais adaptados ao estilo de vida do paulistano", diz Queiroz.

E repaginar também é uma alternativa à alta dos preços, explicada pela economista Ana Maria Castelo, 50, da FGV Projetos. "Nos últimos cinco anos, houve um aumento muito grande do crédito habitacional. Como ficou mais fácil comprar o imóvel próprio, muitas famílias aproveitaram para trocar ou adquirir o primeiro. Com o aumento da procura, os preços subiram", resume ela.

Segundo Ana Maria, a decisão de comprar ou reformar precisa ser analisada em um contexto amplo -devem ser considerados a renda familiar, o comprometimento da renda e as perspectivas para os próximos anos. Traduzindo: diante do crédito habitacional contrabalançado com os preços altos em São Paulo, vale a pena reformar uma casa já própria, diminuindo a necessidade de endividamento.

Sim, tudo isso anima quem está pensando em reformar. Mas, nas próximas páginas, o leitor verá que toda obra requer muita paciência e dinheiro.

Novas tecnologias
No setor de obras, há duas vigas mestras: a indústria da construção civil, liderada por grandes construtoras, e a construção "formiguinha", que são as intervenções autogeridas. Hoje, 77% dos materiais de construção se destinam às reformas e ampliações autogeridas, que movimentam cerca de R$ 52 bilhões por ano no Brasil.

"É uma tendência que tem se mantido nos últimos dez anos. Mas o consumo das construtoras está se aquecendo, principalmente com o avanço de programas como o Minha Casa, Minha Vida", analisa Cláudio Conz, 60, presidente da Anamaco (Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção).

Na construção autogerida, é o proprietário quem define tijolo sobre tijolo -o que vale tanto para os famosos "puxadinhos" quanto para as reformas assistidas por arquitetos e engenheiros. "O consumo de materiais de construção por famílias é uma marca econômica expressiva. É um bom momento para reformar", avalia o engenheiro Walter Cover, 67, presidente da Abramat (Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção).

De olho nesse público, as principais marcas do setor estão investindo em novas tecnologias e tendências sustentáveis. "É o conceito de morar bem, aliado à sustentabilidade", diz Antonio Carlos Kieling, 63, presidente da Exporevestir e do Fórum Internacional de Arquitetura e Construção.

Sem desperdícios
"Reduzir, reaproveitar e reciclar." Essa é a chave proposta pelo arquiteto Gustavo Calazans, 38, especialista em reformas ecossustentáveis em casas e apartamentos de São Paulo. "Reforma não pode ser um festival de desperdício. É preciso repensar o que realmente precisa ser feito na casa para transformá-la em um espaço legal. Muitas vezes, não é necessário quebrar e trocar tudo", diz. Para Calazans, um dos maiores desafios é não acreditar nos mitos que envolvem uma reforma.

Além de derrubar e construir paredes, a obra é uma oportunidade para dar nova vida à casa. "Por exemplo, você tem um sofá antigo e desatualizado. Em vez de trocá-lo, por que não transformá-lo? Isso é inteligente por dois motivos: é econômico e sustentável. O mesmo raciocínio vale para os espaços e ambientes de uma casa", acrescenta a designer de interiores Juliana Daidone, 31, da SaLA Design.

Na mesma linha, é importante recuperar e reabilitar um imóvel para melhorar a qualidade de vida "dentro e fora de casa", indica o consultor Márcio Araújo, 48, do Idhea (Instituto para o Desenvolvimento da Habitação Ecológica). Entretanto, esse apelo "ecofriendly" ainda não se firmou como uma realidade na maioria das residências da capital. "Antes de reformar a casa, é preciso reformar a mentalidade paulistana", critica Calazans.

Engenharia emocional
Uma sala mais ampla e aconchegante para receber os amigos, um quarto mais iluminado, uma cozinha mais prática para aventuras gastronômicas, um jardim sempre florido. Na maioria das vezes, quando procura um arquiteto, um engenheiro ou um mestre de obras, o proprietário já tem a reforma idealizada na mente. Mas tirar o projeto do papel e transformá-lo em realidade requer um longo trajeto.

"O cliente tem um sonho pronto. Mas nem imagina quanto tempo, energia e dinheiro realmente a obra exigirá", conta o engenheiro civil Marcelo Libeskind, 52. Para tranquilizar ansiosos, ele aposta em uma nova perspectiva: a engenharia emocional. O método, oferecido para quem está pensando em construir ou reformar, visa encontrar um equilíbrio entre a racionalidade realista da obra e as pressões psicológicas da espera.

Segundo a arquiteta Bárbara Jalles Guimarães, 26, a reforma pode se tornar um processo mais complicado que uma construção nova em folha. "Muitas vezes, para trocar o antigo pelo novo, não encontramos o mesmo material para as estruturas elétrica, hidráulica e de iluminação -pontos que, para se adequar à nova modulação, necessitam de estudos."

A primeira coisa a fazer é definir se a reforma será "cosmética" ou estrutural. A primeira foca detalhes como uma pintura nova e a troca de louças. A segunda implica a derrubada de paredes ou a manutenção das instalações elétricas, por exemplo. E isso requer apoio de um profissional.

A fim de evitar acidentes como o desabamento dos prédios no Rio de Janeiro, em janeiro, cresce no setor a possibilidade de elaboração de uma norma técnica que regule os procedimentos de manutenção e reforma de edificações pelo CB-02 (Comitê Brasileiro da Construção Civil), da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas).

"Da obra simples à reforma radical, toda construção é uma obra de arquitetura e engenharia. É preciso ter um profissional habilitado para responder tecnicamente pela execução dos projetos", alerta Paulo Sanchez, 55, diretor de tecnologia do SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo) e coordenador do CB-02.

Conferir as credenciais e referências desses profissionais é essencial. Os arquitetos devem ser registrados no CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), que fiscaliza o exercício da profissão. Eles devem emitir um RRT (Registro de Responsabilidade Técnica), documento oficial para todo projeto. "É o que legaliza uma edificação nova ou obra de reforma. Para o cliente, é a comprovação de responsabilidade do arquiteto sobre esse serviço", explica Haroldo Pinheiro, 59, presidente da instituição.

Já os engenheiros devem ser cadastrados no Crea-SP (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo). Eles também devem se comprometer com os trâmites da reforma, com a emissão de uma ART (Anotação de Responsabilidade Técnica). O documento "define os responsáveis técnicos pelo empreendimento para os efeitos legais", afirma Francisco Kurimori, 58, presidente do conselho.

A escolha da equipe é um dos pontos mais importantes, considera o arquiteto Marcelo Brígido, 45, diretor do portal Arquitecasa. "Pense na obra como uma pequena empresa. O proprietário é o diretor, o arquiteto e o engenheiro são os gerentes, os operários são os funcionários. Todos têm um papel definido."

Um entrave, porém, é a ausência de prazos estipulados para autorizações que dependem da prefeitura, critica a arquiteta Renata Semin, 52.

"Certos projetos precisam passar por uma subprefeitura. Dependendo da localização, se for uma área tombada, também devem ser apresentados ao Conpresp e ao Condephaat", explica ela, citando o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo e o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, da Secretaria de Estado da Cultura.

"Não é recomendado começar a obra sem autorizações. Mas, após 120 dias sem nenhum pronunciamento da prefeitura, o proprietário tem o direito de iniciar as intervenções", diz.


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