segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Niemeyer: compasso, harmonia e melodia


Não sei por que, quando ouço as Bachianas Brasileiras me sinto surfando nas obras de Oscar Niemeyer. Qual seria a sua contribuição para arquitetura universal? Aos 30 anos ele rompia com a rigidez positivista do Modernismo Europeu, reintroduzindo o sentimento na produção arquitetônica. A emoção se expressa em sua obra pelas curvas em oposição à reta e ao ângulo reto, mas em perfeita harmonia com os avanços no concreto armado. Hábil desenhista, ele juntou a formação tradicional na Escola de Belas Artes com os conhecimentos divulgados pelos politécnicos. Sua obra é inseparável de grandes estruturalistas, como o poeta Joaquim Cardozo e o Prof. José Carlos Sussekind.

Como todo grande artista, ele articulava o local com o mundial de forma exemplar. Sua régua e compasso eram essencialmente cariocas. Sua obra embora universal nada tinha a ver com a de Le Corbusier, salvo o fato de ter sido descoberto por ele. A frondosa obra de Oscar Niemeyer, embora divulgada em fotos e vídeos, carece de estudos à altura da sua contribuição à Arquitetura. Salvo os textos de Stamo Papadaki, do inicio dos anos 50, praticamente tudo que se escreveu sobre sua obra é de seus colaboradores ou do próprio arquiteto. Este artigo procura discutir algumas dessas questões.

Niemeyer dominou a composição arquitetônica como poucos maestros suas orquestras. É preciso não esquecer que a arquitetura está mais próxima da musica do que de qualquer outra arte, pela sua construção envolvente, pelo seu desenvolvimento sinfônico em vários planos superpostos, pelo ritmo de suas colunatas e aberturas, pela percussão da madeira ao caminhar, pelo brilho dos metais, pelos crescentes de luzes e pela harmonia das partes com o todo.

Nos palácios da Alvorada e do Planalto, ele resgatou o valor rítmico das colunatas, meros suportes mecânicos na era industrial, a ponto de André Malraux, Ministro da Cultura da França, dizer que depois das colunas gregas aquelas eram as mais belas que havia visto. Mas Niemeyer, um perfeccionista, não se satisfazia com a cadência monótona, chã, das colunatas clássicas, que ele mesmo havia reproduzido nesses dois palácios e no Itamaraty, e fez variar seu compasso na sede do Grupo Mondadori, na Itália, criando uma das mais belas colunatas do mundo.

A modulação melódica de suas coberturas e marquises se inspirava, como ele não se cansava de repetir, na silhueta dos morros, na sinuosidade das ribeiras  e praias de sua cidade, no movimento das ondas e nas curvas sensuais da mulher brasileira. Esta foi a inspiração de Burle Marx e de músicos cariocas seus contemporâneos, como Tom Jobim, Roberto Menescal, Billy Blanco e Chico Buarque, eles também iniciados na arquitetura.

Recorde-se o Samba o Avião de Tom e Vinícius: “minha alma canta/ vejo o Rio de Janeiro...Rio, seu mar/ praias sem fim” e do estar na janela admirando o Corcovado ou ainda a graça da “moça do corpo dourado/ do sol de Ipanema”. As praias e as cariocas são a inspiração de Braguinha e Dorival Caymmi em duas odes a Copacabana. Roberto Menescal e Ronaldo Boscoli cantam o mar e as ilhas da Guanabara em O Barquinho, “que desliza sem parar no azul macio do mar”. Boémio quando jovem, Niemeyer sempre curtiu a música erudita e popular e homenageou as escolas de samba cariocas com um arco do triunfo no Sambódromo. Ele acabaria virando enredo de uma delas. 

A reciproca parece verdadeira. A música também pode se transformar em desenho. O musicólogo baiano Paulo Lima tem interessante ensaio mostrando como Tom Jobim em “Wave” reproduz na pauta musical o movimento das ondas.

Niemeyer um arquiteto engajado que doou o seu escritório em 1946 para a sede do PCB, nunca acreditou em “arte social”, mas dizia que mesmo trabalhando para o poder, o impacto de seus projetos produzia um instante de alegria no povo. Em Brasília, pude constatar que havia todo tipo de gente, inclusive trabalhadores, se despedindo desse criador infatigável, que nunca tirou férias e não precisava dormir para sonhar. Morreu aos 105 anos reclamando que queria trabalhar.  

Paulo Ormindo de Azevedo
Escreve no Jornal A Tarde - Salvador, é Conselheiro Federal pelo CAU BA, professor da UFBA (veja mais nos posts anteriores)

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